A Anatomia do Deal: como estamos analisando deals em 2024
Aqui no Kria, seguimos com a mesma tese de 2021, mas sabemos que estamos atuando em um "novo normal" do mercado de equity funding.
Ethel Berdugo
18/9/2024
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Em 2021, publicamos um artigo revelando os bastidores do Kria, oferecendo uma olhada dentro de nossa máquina de seleção de empresas e do trabalho de pré-distribuição de ofertas. Entre 2022 e 2023, a indústria de venture capital passou por um período de retração, com desaceleração nos investimentos e nas atividade de saídas ("exits''), o que levou investidores a revisarem seus critérios de investimento, e criou novos patamares de valuation, liquidez, e tamanho de cheques.
Aqui no Kria, seguimos com a mesma tese, mas sabemos que estamos atuando em um "novo normal" do mercado de equity funding. Precisamos considerar um mercado com menos poder de absorção e com mais aversão a risco por conta de juros altos, e como isso afeta nossa seleção de oportunidades de investimento. Gostaria de compartilhar com vocês, que investem junto conosco, um pouco da nossa perspectiva sobre isso e trazer detalhes sobre nosso processo de seleção, que, ajustados ao modelo de crowdfunding, diferem em alguns aspectos das gestoras de VC tradicionais.
Relembrando nossa tese: empresas com comunidade
No Kria, investimos junto com a comunidade em PMEs em pré-escala, do Seed à Série A, de todos os setores. Pelo modelo de crowdfunding, costumamos ter mais sinergia com negócios que buscam os benefícios da comunidade, seja através do acesso a smart money, efeito de rede, engajamento com usuários, entre outros. Em outras palavras, gostamos de negócios que, como nós, enxergam a comunidade como um "ativo", que traz diferencial competitivo e acelera o crescimento da empresa.
Ao analisar uma oportunidade de investimento, sempre começamos pedindo uma lista de materiais e documentos, (o famoso "data request"), para construir um primeiro entendimento do negócio. O objetivo do data request é: (1) identificar red-flags que possam inviabilizar a oportunidade, (2) mergulhar no negócio para validar alguns dos nossos critérios, e (3) identificar empresas similares ("benchmarks") relevantes. Com esses benchmarks de empresas bem-sucedidas ao longo do tempo, conseguimos ponderar o crescimento esperado da empresa e estimar os recursos e o tempo necessários para atingir as diferentes etapas de sua jornada.
Por nossa tese ser bastante agnóstica, não busco trazer números, ratios ou múltiplos do que buscamos em uma empresa, e sim, uma visão de análise. Trazer um "napkin" do que gostaríamos de ver em startups, como os publicados pela PointNine Capital, não seria adaptado para uma tese que contempla tanto bens de consumo quanto Vertical SaaS B2B. Mesmo assim, acho que eles trazem ótimas grades de análise, então deixo aqui como recurso para os interessados.
Rodadas menores e valuations realísticos
Quando avaliamos uma empresa, temos uma abordagem cautelosa na definição dos valuations, procurando sempre encontrar um justo equilíbrio para poder valorizar e impulsionar a empresa, sem prejudicar sua habilidade em levantar capital no futuro e proteger o investimento da nossa comunidade.
Nos dois últimos anos, falou-se muito da correção dos valuations de empresas de tecnologia, tanto late quanto early-stage, atreladas à correção nos preços das ações dos mercados públicos. Empresas procurando captar novos recursos enfrentaram muita dificuldade para continuar se valorizando no mercado retraído, pelos valuations pré-2022 estarem completamente desatreladas da real maturidade das empresas. Para chegar em um valuation justo, analisamos múltiplos de valorização de empresas "benchmarks" (ou seja, empresas, normalmente de outros países, que passaram por momentos semelhantes ao que estamos avaliando) no estágio de desenvolvimento e setor de atuação, adequando-as a fatores como tamanho e competitividade do mercado, percepção de risco, e potencial de crescimento em cenários macroeconômicos comparáveis. Dito isso, não se trata de uma ciência exata, e trabalhamos em conjunto com a emissora e os nossos co-investidores para chegar em um ponto satisfatório para todos.
Falando em co-investidores, recomendo lerem esse artigo recente da Lê, onde ela articula perfeitamente as vantagens do co-investimento entre diferentes players no VC. Mais do que nunca, incentivamos empreendedores a trazerem um mix de capitais, alocando uma parte de suas rodadas para a comunidade, junto a investidores com nome. Em um mercado onde capital está mais escasso e investidores mais cautelosos, diversificar as fontes de capital é uma excelente estratégia para empreendedores ainda se beneficiarem das vantagens do crowdfunding e ganharem validação de mercado.
Quais métricas importam "mais"?
Investidores costumam ter leituras diferentes do que esperam de uma empresa early-stage, e alguns acreditam firmemente no crescimento a qualquer custo ("growth-at-all-cost"), onde o crescimento de receita e captura de mercado são vistos como os principais indicadores de sustentabilidade e saúde financeira a longo prazo. No Kria, o que procuramos ver é a construção dos fundamentos necessários para sustentar cada fase da jornada, com unit economics adequados ao modelo de negócio e, especialmente, ao estágio da empresa.
Há um conjunto de métricas que olhamos para avaliarmos uma oportunidade, e para todas, consideramos sua evolução histórica e projetada, com base em premissas fortes apresentadas pelo fundador. Aqui, as palavras-chaves são: eficiência e previsibilidade.
Além de analisar a qualidade do crescimento com evolução de receita ou métricas financeiras como margem bruta ou margem de EBITDA, nos concentramos em métricas que demonstram a eficiência de capital, como MRR/Receita (proporção da receita recorrente em relação à receita total) e burn rate (velocidade com que a empresa está consumindo caixa). Portanto Aqui, demonstrar uma capacidade de gerar valor real com menos recursos é o maior diferencial.
Também olhamos de perto indicadores que demonstram a qualidade e eficiência do crescimento da empresa, como taxa de retenção de clientes, churn, custo de aquisição de cliente (CAC), Net Promoter Score (NPS), ciclo de vendas e, para empresas com produtos digitais, métricas de engajamento do usuário. Essas métricas refletem a qualidade do produto em desenvolvimento, a validação do modelo, e, muitas vezes, são excelentes indicadores de até que ponto a empresa está próxima do Product-Market Fit.
Essas métricas são relativamente "padrão" no VC, e provavelmente já devem ter lido sobre elas. No crowdfunding, embora importante olhar para empresas de maneira bem cartesiana, é também essencial avaliar o que métricas dificilmente conseguem: o potencial da visão, clara e inspiradora, o "sexyness" do produto, a força de marca da empresa e o potencial para "community-led-growth".
Uma coisa, nunca muda: a equipe é o pilar de qualquer startup de sucesso. Ao longo do nosso processo, vamos conversar inúmeras vezes com os membros do time fundador, provocando-os sobre vários pontos, entender sua capacidade de construir relacionamentos, captar recursos e articular sua visão para liderar sua equipe, mas também para seus clientes. Buscamos times com um mix de profundo conhecimento do mercado, técnico e capacidade de execução e muita paixão pelo seu projeto, com complementaridade entre os membros da equipe. Além de tudo, buscamos resiliência e determinação, porque, como os últimos anos demonstraram, a jornada do empreendedor é longa e cheia de tombos imprevistos, e queremos ter certeza que poderá se levantar depois de cada um.
Por aqui, somos otimistas, tanto para o equity funding quanto para o crowdfunding. Espero que tenha conseguido traduzir um pouco da nossa abordagem, criteriosa e holística na seleção de investimentos para nós e a comunidade Kria. O mais recente relatório (ao menos no momento em que eu escrevo esse artigo) do Itaú BBA e do SlingHub sobre o mercado de tecnologia na América Latina no Q2 de 2024 traz boas notícias, refletindo melhorias nos indicadores de financiamento e M&A, e um momentum promissor para investimentos em early-stage. Com isso, deixo aqui o link do nosso formulário para participar do processo seletivo, ou podem também me chamar no meu email ethel.berdugo@kria.vc. Nossas portas estão sempre abertas para conhecer empresas e fundadores com ambições inovadoras e disruptivas, então, fica o convite!
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Ethel Berdugo
https://www.linkedin.com/in/ethelberdugo/
Ethel é analista de investimento e processo de seleção no Kria VC. Iniciou sua carreira no Venture Capital, e acumulou experiência como investidora em Israel e no Brasil. Ela é formada em administração pela McGill University, e tem mestrado em administração da FGV-EAESP e London School of Economics.