O dilema do efeito de rede

O efeito de rede é um dos principais atributos das empresas de tech mais valiosas do mundo.

Camila Nasser

22/7/2024

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Durante este ano, a força do Tiktok — mais de 800 milhões de usuários, pauta diplomática em meio à maior crise de saúde do século — me provou a potência dos negócios baseados em rede. Por outro lado, a manifestação dos entregadores de aplicativos de delivery mostrou a fragilidade dos negócios baseados em rede.

As recentes discussões sobre os modelos de negócios das big techs e as formas com que exploram (ou manipulam) informações lançou luz sobre como os negócios que atingem um monopólio com uma rede conseguem influenciar e dominar mercados em escalas globais. Neste artigo compartilharei com você uma visão do fenômeno de efeito de rede.

A potência dos negócios baseados em rede

O efeito de rede (ou network effect) ocorre em um negócio quando o produto ou serviço se torna mais relevante de acordo com o crescimento da rede. Em outras palavras, quanto mais conexões fortes, mais valioso o negócio se torna, até atingir uma massa crítica que transforma a rede em um dos principais ativos e defesas da empresa.

O efeito de rede é na sua essência uma ferramenta de potencialização de negócios, e o seu valor é explorado de diversas maneiras: para redes sociais, cada novo usuário que se conecta e engaja é em si um ativo.Para marketplaces, quanto maior a demanda, mais atratividade para ofertar e vice versa. Outros negócios conseguem se destacar em dados: quanto maior a rede, mais informação ela gera, e a conversão dessa informação em inteligência fortalece por sua vez a vantagem competitiva. Temos casos de redes que constroem colaborativamente o produto com as empresas e redes que diminuem custos dos serviços.

Analisemos o TikTok: qual a graça do aplicativo para 5 usuários? Ou até 500? A frequência e diversidade de conteúdos é baixa. Você se conecta menos e gasta pouco tempo em cada conexão. Mas cada novo membro que entra no TikTok engrandece a rede, até um momento em que temos novos conteúdos surgindo a cada instante — as pessoas passam a se conectar mais e gastar mais tempo no aplicativo. O Tiktok fica então mais interessante e atrai mais usuários. Os novos usuários, por sua vez, aumentam a atratividade do aplicativo. E por aí vai (e foi, até os 800 milhões de usuários).

Número de usuários não é efeito de rede.

O efeito de rede é composto de:

1. Elementos: são os membros da rede — como os usuários ou as contas. Diferentes elementos podem ter variados papéis em uma mesma rede (ex. comprador/vendedor). O tamanho da rede é determinado pelo número dos elementos, mas isso não determina o valor dela.

2. Conexões entre os elementos: ligações que os elementos têm entre si, que por sua vez podem ser diretas ou indiretas, de 1:1 ou de 1:muitos. As conexões não são todas iguais — têm forças diferentes, de acordo com a frequência, proximidade e importância das trocas. A forma com que os elementos se conectam entre si, e as possibilidades de conexões, cria redes de diferentes densidades. Quanto mais interligados os elementos da rede, maior a sua densidade.

De acordo com o Venture Capital Nfx, 70% do valor criado no mercado tech desde 1994 vem do efeito de rede, sendo ele o principal atributo das empresas de tecnologia mais valiosas. Isso significa que o sucesso desses negócios está altamente atrelado à potência da rede. Para o bem e para o mau.

A fragilidade dos negócios baseados em rede
Motoristas de Uber Protestando. Foto: Dara Kerr (CNET)

Na semana em que a Uber debutou na bolsa de valores, com um discurso inspirador sobre o valor dos motoristas para a construção da empresa, os motoristas estavam nas ruas protestando contra as condições de trabalho. Neste ano, entregadores das gigantes de delivery — iFood e Rappi — foram também às ruas protestar por melhores condições.

Quando os membros da rede não estão “fechados com o negócio”, o negócio está ameaçado.

É normal termos alguns elementos não fidelizados em nossa rede — e pode ser que esse é o contexto de Uber, Rappi e iFood. O problema é quando eles representam uma massa relevante e substancial para o valor do negócio: o membro insatisfeito abandona a rede (ou continuará lá até encontrar uma oportunidade melhor). O abandono em massa faz com que a rede perca o valor. A perda de valor gera um efeito de rede negativo. E por aí vamos novamente.

O que perpetua um negócio network based é a sua capacidade de continuamente gerar valor para a rede, e manter os elementos engajados e motivados.

E quando falo de mantê-los engajados, não é através de manipulação comportamental ou produtos viciantes. É sobre realmente olhar para os membros da rede, como participantes ativos e livres, e não como produto ou capital. Aqui entra a importância de se construir comunidades. Entenda comunidade como um senso de pertencimento, uma reação psicológica/emocional que fortalece o nosso vínculo com o negócio.

O senso de comunidade é o sentimento que os membros têm de pertencimento, o sentimento de que os membros importam um para o outro e para o grupo, e uma crença compartilhada de que as necessidades dos membros serão atingidas através do compromisso de estar junto” — McMillan

Um exemplo clássico de comunidade? Nossas maravilhosas torcidas de futebol. Foto: Lance

A dinâmica de construção de comunidades não é de hoje (e nem da época do Orkut!): é uma estrutura social básica. Nós nos conectamos a grupos de acordo com afinidades, contexto e objetivos em comum; e quanto maiores as similaridades, mais forte nossos elos e senso de pertencimento.

Se um negócio tem em sua essência a rede, é valioso que tenha com essa rede uma comunidade: que eleva os vínculos participante < > empresa e cria uma identidade forte, e que gera identificação entre os membros.

E claro, não basta chamar um grupo de comunidade para que ele o seja. Os participantes da comunidade devem perceber uma troca de influência — de que são importantes para o grupo, e de que o grupo é importante para eles — e uma intimidade com os outros membros — a sensação de que irão compartilhar histórias e experiências. Por fim, o mais importante, é a noção de que as suas necessidades serão atendidas por pertencer ao grupo.

Nesse momento — que o valor oferecido é bom o suficiente, que os momentos bons e os perrengues são compartilhados, e que há uma sensação de ser importante -, a rede se torna uma comunidade. E o efeito de comunidade é muito mais forte que o efeito de rede.

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Camila Nasser

Camila Nasser

https://www.linkedin.com/in/camila-nasser

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RESPONSÁVEL PELO ARTIGO

É cofundadora e CEO do Kria, plataforma de investimentos em startups. A executiva iniciou sua carreira profissional no universo financeiro no Kria, como estagiária, ainda na época de faculdade. Ao longo dos anos, assumiu importantes cargos de liderança, como Head de Marketing e Chefe de Operações. E, no final de 2020, foi convidada para se tornar CEO da fintech. Camila é graduada em comunicação pela Escola Superior de Propaganda e Marketing.

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