Recado foi dado ao empreendedore. Mas e ao Venture Capital?

Se os fundadores são os dançarinos, os Venture Capitalists são os próprios maestros. E quando a música para de tocar, os maestros também precisam se adaptar.

Camila Nasser

22/7/2024

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Nas últimas semanas a sensação no ecossistema das startups tem sido de caos. O que se percebia de forma sutil desde o começo do ano, ficou escancarado quando os fundos começaram a soltar seus avisos de tempos difíceis pela frente.

YCombinator e Sequoia Capital deram início a uma nova onda de manifestos de investidores avisando seus empreendedores que o mantra da vez é o “Cash is King”. Os cuidados dos fundos se tornaram, por sua vez, uma profecia autorrealizável, e até para quem estava tudo bem, não está mais.

Nesse cenário, me peguei pensando sobre o papel dos Venture Capitalists. Preparar seus empreendedores para o pior é fundamental, com certeza. Claro que devemos saber dançar a música do momento — e quando o contexto muda, temos que nos readaptar e mudar também, naturalmente. Mas enquanto os fundadores são os dançarinos, os Venture Capitalists são os próprios maestros.

E quando a música para de tocar, os maestros também precisam se adaptar.

O cenário macroeconômico é o grande propulsor da crise. Os juros altos diminuem a atratividade do capital de risco, e a inflação compromete toda a cadeia. O comportamento do mercado mudou — de consumidores, fornecedores, investidores. Mas para além disso, a sensação é de uma correção necessária, dolorosa, e que vem para o bem.

Nos últimos dois anos, o FOMO ditou o ritmo das rodadas. Era comum vermos investidores destacando que selecionavam negócios em poucos dias, ou até mesmo em poucas horas de reunião. Em grau de prioridade, capacidade de encantar pareceu mais importante do que capacidade verdadeira de execução.

Na mesma linha, mais de um empreendedor já me reportou o cenário de ter recebido dezenas de “nãos” dos fundos até que o primeiro corajoso disse o sim, e em um efeito dominó os antigos nãos se transformaram em um “mudei de ideia”.

O problema do FOMO é a geração de um efeito manada em que a maioria ditava a atratividade do deal, empreendedores de fora do círculo tinham menos acesso a capital e o valor atribuído aos negócios seguia mais a lei de oferta/demanda de um mercado altamente competitivo do que variáveis concretas para precificação de potencial de crescimento.

Ainda falando sobre valor, o esporte da vez era a caça aos unicórnios (negócios avaliados em U$1bi). É incontestável que quanto maior o negócio, maior o seu potencial de transformação e impacto. Mas a sensação é que o impacto do negócio em si ficou em segundo plano — e a unicornização se tornou o objetivo final. Com isso, incentivamos captações de volumes extraordinários — e com frequência vimos negócios que haviam captado há pouco, levantarem mais uma rodada para engordar o caixa, pois o apetite dos fundos estava alto.

Não me leve a mal, sou fã de muitos dos unicórnios e não me oponho a rodadas gigantescas quando o capital tem bom direcionamento, e principalmente quando o open bar financeiro não nos leva a gastos ineficientes e menos criativos. O problema está quando isso se torna o playbook de sucesso generalizado, e mais importante do que o negócio em si.

Estamos vendo agora uma mudança em valuations, em premissas de crescimento e na visão de cresça a qualquer custo. Que bom! Temos ainda um cenário desafiador pela frente, e essas correções de mercado atingirão também aqueles empreendedores que estavam em um movimento mais consciente.

Minha esperança então é que não seja em vão. Que para além de enviar recomendações aos fundadores, os VCs façam também suas autoanálises e que possamos, enquanto mercado, nos reestruturarmos de forma mais equilibrada. Com menos hype nos investimentos, menos FOMO ditando a regra, e com mais valor real sendo gerado à sociedade. Vamos refletir e sair melhor dessa. O futuro do VC pode ser muito mais democrático e equilibrado. E precisa ser.

Camila Nasser

Camila Nasser

https://www.linkedin.com/in/camila-nasser

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RESPONSÁVEL PELO ARTIGO

É cofundadora e CEO do Kria, plataforma de investimentos em startups. A executiva iniciou sua carreira profissional no universo financeiro no Kria, como estagiária, ainda na época de faculdade. Ao longo dos anos, assumiu importantes cargos de liderança, como Head de Marketing e Chefe de Operações. E, no final de 2020, foi convidada para se tornar CEO da fintech. Camila é graduada em comunicação pela Escola Superior de Propaganda e Marketing.

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